Para
Jeílson, pastor de uma igreja muito ativa e crescente, o dia começou como tantos
outros. Ao acordar pela manhã, ajoelhou-se ao pé da cama e orou. Logo à mesa do
café, começaram as muitas preocupações: notícias da congregação que rejeitava o
novo obreiro; problemas com o pedreiro na construção do templo; finanças apertadas.
No pequeno alpendre da casa pastoral, mais de uma dezena de irmãos já aguardava
aconselhamento. As necessidades eram as mais diversas: ajuda para internar o
filho doente; a nova convertida, proibida de participar dos cultos, queria saber
como contornar a antipatia do marido; um ancião precisava resolver a situação da
aposentadoria... Jeílson enfrentava com certa naturalidade aquele amontoado de dificuldades;
seu dia-a-dia já era assim há anos. Ele só não se preparara para a notícia que
receberia ainda naquelas primeiras horas do dia. "Miriam, sua filha mais velha",
relatou-lhe sua esposa, "cortou o cabelo". Tudo, menos aquilo.
Aturdido, sem acreditar no que lhe acontecera, Jeílson abandonou seus
compromissos, deixou todos os irmãos esperando no alpendre e correu enfurecido
pelo corredor até chegar ao quarto que ficava nos fundos da estreita casa
pastoral. Miriam - constatou ele - aparara de fato as pontas do cabelo. Desde a
infância de sua filha, Jeílson jamais permitira que uma tesoura tocasse nas
mechas castanhas que agora, aos 18 anos de Miriam, já alcançavam a cintura.
Totalmente descontrolado, Jeílson perguntou rispidamente, mas sem esperar
resposta: "O que você quer comigo? Está querendo envergonhar-me, acabar
com o meu ministério?". Movido por uma ira incontrolável, desafivelou o
cinto, dobrou em duas voltas e bateu em Miriam até que os vergões se
desenhassem em suas costas e pernas. Envolvido pela mesma ira com que a
surrava, desabafou: "Não vou tolerar uma desviada dentro
da minha casa. Enquanto você morar aqui, não vou admitir que corte seu cabelo
novamente, você está me ouvindo?". Ainda Ruborizado e com o coração acelerado,
voltou ao alpendre para tratar dos seus assuntos ministeriais. Duas horas
depois, recebeu a notícia mais devastadora de sua vida: Miriam havia derramado
álcool sobre todo o corpo e ateado fogo. Jeílson correu mais uma vez, agora
desesperado, e encontrou no mesmo quarto sua filha agonizando com queimaduras
profundas. Naquele mesmo dia, à tarde, Miriam morreu no ambulatório de um
hospital. Embora os nomes e alguns detalhes da história acima sejam fictícios,
ela é verdadeira. Aconteceu em alguma cidade do Brasil. Pior, ela se repete,
claro que sem os mesmos extremos, quase todos os dias em alguma família
evangélica brasileira. Retrata exatamente a severidade com que algumas
denominações brasileiras encaram o problema dos usos e costumes. Sei de muitas
jovens que hoje vivem longe de suas igrejas e totalmente indiferentes à
mensagem do evangelho porque sofreram exclusões e disciplinas públicas quando
foram vistas usando calças compridas, um colar ou até mesmo brincos. Muitas
vezes um jogo de futebol entre crianças ou soltar pipas ocasionam 45 minutos de
repreensão do pastor. Em determinadas igrejas, raramente o sermão expõe a
Bíblia, pois quase sempre começa com um versículo e acaba tratando do que pode
e do que não pode. Alguns ficariam estarrecidos com o número de pessoas que sai
pela porta dos fundos de suas igrejas, rejeitando e odiando o cristianismo,
devido a esse rigor legalista sobre usos e costumes.
Extraído do livro de Ricardo Godim da publicadora MC.
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