CAPÍTULO VII
OS
ANABATISTAS DO SÉCULO XVI
Tenho visto muitos historiadores da Igreja tentando responder
erroneamente a questão de onde vieram os anabatistas do século XVI. A resposta
correta é simples: Não vieram, já estavam. O movimento anabatista do século XVI
é uma continuação dos movimentos anabatistas que atravessaram toda a Idade
Média. Os costumes são iguais; a doutrina é a mesma; os membros tinham a mesma
característica diante da sociedade. O fato de sabermos mais sobre os
anabatistas do século XVI do que os anabatistas da Idade Média, não se deve ao
fato de estarmos incertos sobre a existência dos últimos. Deve-se ao fato de
que agora já tinham inventado a imprensa. E também, com a divisão do
catolicismo no advento da Reforma, teríamos informações oficiais de dois lados,
o catolicismo e o protestantismo. Além do que o século XVI está bem mais
próximo de nossa época que o século IV. Pense bem: O que você sabe sobre o papa
Silvestre do século IV? Quase nada. Que tal verificar na sua memória o que você
sabe sobre Lutero, Cabral, e outros que viveram no século XVI? Tenho certeza
que as informações sobre os últimos são bem mais amplas. Porque seria diferentes
com os anabatistas?
A ORIGEM DOS
ANABATISTAS DO SÉCULO XVI
Admitir que os anabatistas atravessaram toda a idade média,
mesmo que levando outros nomes, não é uma tarefa fácil. Para a igreja católica
admitir isso ela estará afirmando sua exclusão em 225, além do que, que não é a
igreja mais antiga. Para os protestantes - principalmente luteranos e
presbiterianos - é dizer que não foram seus patronos Lutero e Calvino os
resgatadores da verdade.
Os anabatistas tem sua origem nas igrejas anabatistas que conseguiram
escapar da perseguição católica durante o período das Trevas, que vai desde
século IV até o século XVI. Apesar de terem outros apelidos além de
anabatistas, estas igrejas eram o verdadeiro cristianismo, e todas, sem
exceção, eram chamadas de "anabatistas". SUAS CARACTERISTICAS
ORGANIZACIONAL E DOUTRINÁRIAO historiador A.G. Dickens,
no seu livro A Reforma, pg 131- 140-141, faz um relato muito significativo
sobre a origem, organização e doutrina dos anabatistas do século XVI. Ele não
defende os anabatistas, mas também não pode negar o fato de serem eles um grupo
de cristãos totalmente diferente do catolicismo e protestantismo. Eis o relato
de Dickens:
"Em que sentido pode o anabatismo ser chamado de um
movimento? Não podemos certamente falar de uma reforma anabatista como falamos
de uma reforma luterana, zuingliana ou calvinista. Os anabatistas não tinham
nenhum chefe espiritual, nenhum código de doutrina largamente aceito, nenhum
órgão central dirigente (eram independentes). Não influenciaram os governos,
não modelaram as sociedades nacionais, não conservaram uma administração
política. Nessa comunidade marginal (ao lado) de crentes, a disciplina não
limitava apenas ao batismo. A confissão de Schleitheim, um de seus documentos
mais largamente divulgados, redigida em 1527, talvez pelo mártir Miguel Satler,
reduz-se a sete artigos: O batismo, diz-se, só será concedido aos que
conheceram o arrependimento e mudaram de vida, e que entrem na ressurreição de
Jesus Cristo. Os que estão no erro não podem ser excomungados antes de
advertidos por três vezes, e isto deve-se fazer antes do partir o pão, de
maneira que uma igreja pura e unida se reuna. A ceia do Senhor é só para os
batizados, e é um serviço comemorativo. Os membros devem deixar o culto papista
(católico) e antipapista (protestante), não tomarem parte dos negócios públicos
(que eram na sua maioria imoral), renunciam a guerra e as diabólicas e
anticristãs arma de fogo. Os pastores devem ser sustentados pelas congregações,
afim de poderem ler as escrituras, assegurar a disciplina da igreja e dirigir a
oração. Se um pastor é expulso ou martirizado, deve imediatamente ser
substituído, e ordenado outro, para que o rebanho de Deus não seja destruído. A
espada destina-se aos magistrados temporais, a fim de poderem castigar os maus,
mas os cristãos não devem usá-la, mesmo em legítima defesa, como também não
devem recorrer à lei ou tomar o lugar dos magistrados. São proibidos os
juramentos."
O estudante deste tratado pode comparar o elo que liga os
anabatistas do século XVI aos dos séculos anteriores e aos batistas. São o
mesmo povo. Olhe bem para os artigos de fé acima mencionados. Compare com as
doutrinas dos batistas. Existe alguma coisa que não está de acordo? São todos o
mesmo povo. Todos eram e devem ser verdadeiros seguidores das Escrituras
Sagradas.
AS DIVISÕES
ENTRE OS ANABATISTAS DO SÉCULO XVI
Muitos há que condenam o movimento anabatista do século XVI
dizendo que eles por algum tempo apelavam para a violência. Os que assim pensam
se esquecem que toda igreja tem seu lado ruim. Veja a Igreja de Jesus. Não
havia lá o Judas? Era Judas o verdadeiro representante da igreja ou um membro
errado? Sim, os anabatistas tiveram membros e pastores que não honravam suas
doutrinas. E eram justamente aqueles que estavam misturados com as revoluções
luteranas, calvinistas e zuinglianas. Foi o caso de Melchior. Dickens afirma no
seu livro A Reforma, pg 142 sobre ele:
"Pode-se dizer que a Confissão de Schleitheim, no seu
conjunto, contém muitas posições características e que era aceite pela maior
parte dos anabatistas. Fora dela havia muitos preceitos religiosos ou sociais
não aceitos por todos eles e sujeitos a controvérsias. Doutrinas não incluídas
na confissão eram rigorosamente sustentadas por certas comunidades, como a
cristologia Melchiorita."
Para quem não sabe Melchior Hoffiman é acusado de ser anabatista
e de fazer um levante contra o Estado de Lutero na Alemanha. Dickens
considera-o "sectários e extremistas à margem do anabatismo" (A
Reforma pg 143). O historiador Christian diz que ele nunca foi um anabatista.
Hoje estamos vivendo uma situação parecida. São batistas aqueles
que se dizem batistas e não honram os artigos de fé bíblicos? São batistas os
batistas que acreditam na salvação pelas obras? São batistas os que acreditam
na salvação pela guarda do sábado? Porém na parede da frente de suas igrejas
está escrito: Igreja Batista. É batista quem realmente vive como um batista
deve viver. Foi o caso dos anabatistas do século XVI. Uma maçã podre não
invalida as maçãs boas.
OS
ANABATISTAS E LUTERO
Os anabatistas do século XVI e o reformador católico Martinho
Lutero escreveram uma página especial do cristianismo neste período. Quando
Lutero iniciou o seu movimento encontrou nos anabatistas um apoio antipapista.
Tinham de comum o fato de saberem que o papa era um servo de Satanás. Muitos
anabatistas migraram-se para a Alemanha animados com o discurso antipapista de
Lutero. A decepção não demorou a chegar. Quando Lutero conseguiu o poder
temporal ele passou a perseguir os anabatistas. Primeiro usando discursos
inflamados. Depois usou a intimidação. E por fim, usou a força. Para decepção
de muitos de seus admiradores, Lutero não ficou devendo nada a nenhum papa em
questão de crueldade contra os anabatistas. Veja alguns relatos sobre a
perseguição de Lutero aos camponeses anabatistas feitas pelo escritor Stefan
Zweig em seu livro Os caminhos da Verdade, páginas 184 e 198:
"Lutero abraçava, sem restrições e definitivamente, a causa
da autoridade contra o povo. O asno, dizia ele, precisa de pauladas; a plebe
deve ser governada com a força... Iniciava-se já a perseguição aos livres
pensadores e aos dissidentes, instaurava-se a ditadura do partidarismo...
Arrancava-se a língua aos anabatistas, atenazavam-se com ferros candentes e
condenavam-se a fogueira como hereges os pregadores, profanavam-se os templos,
queimavam-se os livros e incendiavam-se as cidades."
Lutero não pode ser visto como um defensor da causa de Deus.
Tampouco alguém que resgatou o direito de ler a Bíblia. Não, de forma alguma.
Ditadores não são homens de Deus. Homens que matam por causa de doutrina não
são homens de Deus. Não vemos Jesus arrancar a língua de ninguém para pregar o
evangelho. Porque então seus pregadores agiriam dessa forma? Lutero perseguiu
os anabatistas porque estes não se sujeitaram a seus caprichos de ditador.
Em Abril de 1525, por ordem de Lutero, o qual chegou a redigir
um panfleto, numa linguagem violenta contra os anabatistas, pediu que seus
súditos colocassem fim na desordem anabatista que atormentava o seu país.
Naquele mês mais de cem mil anabatistas morreram assassinados pelos soldados
luteranos. Essa é a verdadeira história sobre os anabatistas e Lutero.
OS
ANABATISTAS E CALVINO
A relação entre Calvino e os anabatistas do século XVI não foram
diferentes da que houve com Lutero. Todo revolucionário tem a tendência de se
tornar um ditador. Aconteceu primeiro com Lutero na Alemanha. Pouco depois
aconteceu com Calvino na cidade de Genebra. Nos livros que temos sobre a
reforma não se pode esconder os atos de atrocidades que Calvino cometeu contra
feiticeiros, humanistas e aos anabatistas residentes em sua cidade. No livro O
Cristianismo Através dos Séculos, pg 254, diz que:
"Para garantir a eficácia de seu sistema (o sistema de uma
cidade santa), Calvino estabeleceu penalidades severas. Vinte oito pessoas
foram executadas e setenta e seis exiladas em 1546."
Temos o relato de uma testemunha ocular dos fatos, chamado
Sebastião Castellio, que fora um pastor Calvinista e tornou-se depois um
humanista, abandonando seu ministério devido a evidencias tais quais temos a
seguir:
"Revolta-me o exemplo de como se procede nesta cidade o
emprego da violência contra os anabatistas. Eu mesmo vi arrastarem para o
cadafalso uma mulher de oitenta anos com sua filha, esta mãe de seis filhos,
que não cometeu outro crime senão o de negar o batismo das crianças."
(Extraído do livro Uma Consciência Contra a Violência, página 115).
Se Calvino fosse um homem de Deus certamente agiria como a
Bíblia ensina. Saberia que somente teremos uma cidade perfeita quando
estivermos no céu. Saberia conceder a liberdade religiosa a seus concidadãos.
Saberia que lugar de pastor não é no comando de cidades e sim conduzindo o seu
rebanho. Quem manda matar a mãe de seis crianças por não aceitarem o erro do
batismo infantil não pode ser um homem da dispensação da graça. Os verdadeiros
batistas não tem nada a ver com o calvinismo.
OS
ANABATISTAS E ZUINGLIO
Zwinglio foi um grande reformador e da mesma época que Lutero.
Zurique foi a cidade que ele escolheu para fazer notório o seu movimento
reformador. Muitos anabatistas foram para lá pensando justamente na liberdade
religiosa que os reformadores pregavam antes de se tornarem cruéis ditadores.
No começo houve uma grande amizade entre os anabatistas (principalmente os
valdenses) e os simpatizantes de Zwinglio. Muitos anabatistas inclinaram-se
para o zwinglianismo, principalmente em setembro de 1532. Parece que a maioria
dos valdenses seguiram Zwinglio por este tempo. Mas foram decepcionados.
Zwinglio aceitou a adesão dos que queriam, mas condenou aqueles que não
quiseram se juntar a ele.
Assim que Zurique ficou em suas mãos, Zwinglio iniciou uma
perseguição contra os indomáveis anabatistas. Por sua ordem o senado promulgou
uma lei, segundo a qual, aquele que se atrevesse a batizar alguém que tivesse
sido batizado antes, na infância, fosse afogado. Suas idéias se espalharam por
todas as cidades suíças de ascendência alemã, e consequentemente, nestes
lugares, os anabatistas eram afogados por batizarem seus membros.
PORQUE OS
ANABATISTAS NÃO SE UNIRAM COM OS REFORMADORES?
Uma igreja que representa a pura doutrina deixada pelo Senhor
Jesus não poderia se unir com nenhum movimento reformador do século XVI.
Primeiro porque como o próprio nome diz, era uma reforma da igreja Católica. Se
queriam reformá-la é porque admitiam que ela era uma igreja de Jesus, quando na
verdade tinha deixado de ser desde 225. Segundo porque quando os reformadores
vieram da igreja Católica não houve entre seus pastores iniciantes uma
conversão de seus pecados. O que houve foi uma convicção da parte deles de que
a igreja católica estava errada. Até os católicos tinham essa convicção.
Terceiro que, não se convertendo, também não foram e nem podiam ser batizados,
ordenança pela qual um crente professa publicamente que está aceitando Jesus e
sua Igreja. Se não foram batizados com que autoridade podiam ministrar o
batismo ou passar esta autoridade a outros?
As igrejas que saíram da reforma cometiam erros que jamais
podiam ser aceitos como sendo realizados pela igreja de Jesus. O primeiro é o
batismo infantil. Todas as igrejas da Reforma batizavam crianças
recém-nascidas. A Igreja de Jesus nunca realizou e nem permitiu o batismo
infantil. O segundo erro é a formação de uma igreja oficial. Por exemplo:
Luterana na Alemanha; Anglicana na Inglaterra; Presbiteriana na Escócia; Jesus
nunca quis casar sua igreja com o Estado. Antes ensinou: "Dai a César o
que é de César e a Deus o que é de Deus". Terceiro é a formação de uma
hierarquia dentro da igreja, colocando uma igreja acima da outra e pastores
comandando outros pastores. O quarto erro é o uso de armas para impedir a
liberdade religiosa e se meter em guerras contra católicos. O quinto erro é o
de praticarem o batismo por aspersão e não por imersão. Por estes e outros
motivos os anabatistas jamais poderiam ter se aliado com as igrejas da reforma.
A OPNIÃO DE
HISTORIADORES DA IGREJA SOBRE OS ANABATISTAS
Apesar de não concordar com os historiadores convencionais a
respeito da história dos anabatistas (pois eles tratam os tais como dissidentes
e hereges), penso ser importante a opinião destes homens sobre os anabatistas.
A opinião de A.G. Dickens, no livro a
Reforma:
"Durante os últimos anos fizeram-se estudos que nos levam a
ver com novo respeito o sopro do idealismo cristão que alimentava os
anabatistas. As horríveis crueldades de que foram alvo por parte dos católicos
e dos protestantes chocam mesmo aqueles que os estudos dos costumes do século
XVI endureceu... a maioria destes sectários era constituída por homens sinceros
e pacíficos, que teriam podido ser dirigidos sem recorrer ao fogo e ao
afogamento... Haveria muito a dizer, se nos quiséssemos referir aos seus
descendentes espirituais, as seitas do século XVII, da Inglaterra e da Nova
Inglaterra (os batistas e menonitas), e para podermos afirmar que os
anabatistas deram grande contribuição a liberdade religiosa e cívica."
(página 143).
"Uma revisão realista obriga-nos a acrescentar que nenhuma
outra seita religiosa mostrou maior heroísmo passivo, face à perseguição."
(página 141).
Quando afirmamos que os anabatistas são os sucessores autênticos
dos apóstolos não estamos idealizando uma fantasia. Estamos relatando uma
verdade que jamais será publicada nos livros de história eclesiástica.
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